Há quem diga que recomeços pedem uma faxina. Mas ninguém avisa que o acúmulo que mais pesa não é o das gavetas abarrotadas, e sim o da alma embolorada de silêncios, mágoas e palavras engolidas.
E lá fui eu. Comecei dobrando roupas. Mas logo estava desdobrando lembranças. Um lenço esquecido puxou o fio de uma amizade que também se perdeu em algum canto. A blusa manchada me lembrou da marca emocional que uma crítica maldosa deixou. As coisas que já não me serviam mais estavam por toda parte. Inclusive dentro de mim.
Enquanto esfregava o chão, limpava também as marcas dos lugares onde já rastejei para agradar. E foi ali, entre um pano e outro, que percebi: a bagunça mais difícil de lidar é a que a gente esconde dentro do peito.
Joguei fora as expectativas que não me pertenciam. Doei os pesos que outros me deram pra carregar. Aspirei, com força, as migalhas emocionais que aceitei em troca de migalhas de afeto.
Foi uma arrumação crua. Um ritual íntimo e profundo. E, como toda limpeza de primavera que se preze, precisei abrir as janelas da alma e deixar o ar novo entrar. Mesmo que, para isso, tivesse que encarar a corrente de vento que derruba o que estava mal apoiado. Peguei a vassoura poética e varri os cantos escuros. Salpiquei glitter de ressignificação nos traumas empilhados. Pendurei no varal da consciência tudo aquilo que precisava secar ao sol da minha nova versão.
No fim, ficou só o essencial. E foi leve. E foi livre. E foi meu.
Porque às vezes, o alívio começa no instante em que a gente deixa de tentar caber.
Dizem que a liberdade assusta. E assusta mesmo. Porque ela não chega com laços de fita, nem com tapinha nas costas dizendo “vai dar tudo certo”. A liberdade chega quando a forma já não serve mais. Quando a gente tenta mais uma vez entrar e rasga a pele. Quando a gente percebe que aquele molde onde nos encaixávamos direitinho só existia porque estávamos encolhidas demais.
Você já sentiu isso?
A sensação de se olhar no espelho e perceber que o reflexo ali não é mais você. Que aquela versão que agradava todo mundo, que se moldava, que baixava o tom, que cedia sempre… não te representa mais.
Eu já.
E foi nesse momento que eu entendi: às vezes, o verdadeiro ato de amor próprio é se jogar fora. Junto com a forma. Junto com as expectativas dos outros. Junto com tudo aquilo que não ressoa mais com quem você se tornou.
Porque a forma que eu joguei fora não era só um jeito de ser. Era um pacto silencioso com a ideia de que eu precisava ser menor para ser amada. Mais leve pra não incomodar. Mais “boa” pra merecer ficar.
Mas sabe… chega uma hora que a gente cansa de merecer. E começa a simplesmente ser.
Sem se explicar. Sem se desculpar.
Hoje, quando me perguntam onde deixei certas pessoas, eu respondo com leveza:
Na versão antiga de mim. Aquela que eu já joguei fora.
✨Com vassouras poéticas e purpurina de renascimento,
Camila
Reflexões profundas feitas com leveza poética. Eu adorei o texto. :-)